Estranha conhecida
Não. Detenho a mão que tanto anseia tocar tua pele nova.
É com pesar que te olho, menina, como que não quisesse devassar a juventude dos teus anos.
"A noite é uma criança...", repetes devagar ao meu ouvido, insinuante, quase se justificasse a pouca idade. "...Corrompida", completo como quem afasta de perto de si o demônio encarnado no teu corpo fácil.
E quanto a ti, apenas sorris sem piedade, deixando à mostra os dentes alvos de vampira faminta. Aproximas de mim essa tua boca vermelha e sedenta, enquanto teus olhos de cobiça me engolem num golpe castanho.
Respiro fundo; desejo e loucura escapando pelos poros sem que eu peça, aceite ou mesmo queira.
Exito. Minha mão paira a milímetros do teu rosto. Suspiras impaciente e me tocas com tuas próprias mãos. Vejo-te abrir um sorriso e, com surpresa, não enxergo nele aquela malícia tão tua.
Tão logo pareces mais menina e menos mulher, mais ternura que devassidão.
Te abraço forte, de súbito; e choro. Choro porque te quero. Porque não percebo como pudeste terminar assim; porque não sei em que esquina abandonaste a infância, em que cama alheia esqueceste a inocência.
Sequer vejo, sequer reconheço a moça de alguns anos atrás.
Encaro fundo a estranha que te tornaste e te faço minha sem qualquer arrependimento, qualquer nó na garganta, qualquer culpa.
Tomo nos braços a mulher que insistes em ser. Essa desconhecida sem passado e sem futuro. Essa que não passa de um agora desvairado, um ontem perdido e um amanhã incerto. Te beijo descontrolado. Te aperto forte. Te penetro como se pudesse penetrar também na tua história, nas tuas memórias.
E me pergunto se te lembras [assim, mesmo que vagamente] de mim. Porque me lembro de ti. E te vejo num misto de choro e gozo, de lástima e saudade, de passado e nunca mais.