Monday, June 25, 2012

Entre goles de vinho


No alto, num gramado estranho Um vinho. Os carros passando na rua lá embaixo.

- Eu não sei o que fazer. A vida tem me doído tanto, você nem sabe.
- Já tentou se entregar? Chorar até adormecer, até perder as forças. Esgotar isso, entende? Se não for assim tão fácil, uma hora você percebe que tá exagerando.
- É o conselho mais estranho que alguém já me deu: sofrer. [Ele ri]
- Se eu disser "não fica assim", não vai adiantar, né?

- Você me conhece tão bem.
- Que engano, isso. Você sempre vai conseguir me surpreender.

- Eu estava com saudade disso. Beber vinho aqui, vendo os carros passarem lá embaixo... É uma coisa tão nossa.
- Eu lembro! Eu com uns 18, você um pouco mais velho. A gente saía, vinha pra cá, comprava um vinho e sentava nesses banquinhos pra conversar sobre nada e tudo ao mesmo tempo. [Pausa] A gente sempre esquecia o abridor, daí tinha que comprar um novo também. Uma vez surrupiei um do mercado e você quase me entrega à polícia. [Ela olha pra ele em tom de acusação, mas ri]
- Trombadinha...

(...)
- Você é o meu melhor amigo. Mesmo depois que mudei de endereço, de cidade, de estado. Mesmo se eu mudar de país, certamente vai continuar sendo um dos melhores. É sério.

- Eu tô tão feliz que você tenha encontrado alguém bacana. A gente saiu um dia antes d'eu viajar, lembra? Você tinha começado a namorar no dia anterior e foi me contar a novidade.
- É... E você desdenhou completamente. "Por quem você está apaixonado dessa vez?".
- Não tenho culpa. Você era como o Joel, d'O Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças com aquele lance de se apaixonar por qualquer garota que te desse um pouco de atenção.

- E quando a gente foi naquele parque fazer artesanato pros nossos respectivos? A minha ex-namorada nunca usou o colar de biscuit.
- Sério? Eu achei maneiro. A caixa que fiz também deve ter ido parar no lixo. O que a modernidade fez com o romantismo?
- Vamos admitir: o problema não é o romantismo. Somos bregas.

- E você, como tá? Ainda curtindo a "vibe de estar só"?
- Você me conhece. Eu fico bem sozinha. Mas olha só, conheci um cara. Não sei em que ponto estamos. Acho que é um caso de "quase amor".
- Por que o pessimismo?
- Não é pessimismo. Eles estão por toda parte, os quase amores. Eles cruzam com a gente nas esquinas. Eles puxam papo no metrô. Eles te olham demoradamente na fila do banco, justo no dia em que você saiu com o cabelo desgrenhado e sem maquiagem. Te dão um beijo e logo precisam embarcar urgente para Istambul. É tudo um grande "E se...?"
- Eu gosto dessas possibilidades. Você não?
- Até acho bonitinho. Pro cinema ou pra literatura, sabe como é? Pra vida, não tenho muita paciência. Não costumo gostar de nada "quase".

- É como aqueles romances hercúleos, cheios de sofrimento. Sabe que quando eu era mais nova, queria isso?
- O que?
- Sofrer muito. Eu achava bonito, o sofrimento.
- Que loucura. Eu queria ser astronauta e muito, muito feliz.

- Ei, no casamento da Ana, foi bom te ter do meu lado pra chorar feito menininha. Odeio esses sentimentalismos públicos, mas com você deu pra relaxar.
- Não vou cair nessa. Na hora, você disse que ficou feliz porque eu estava chorando mais que você.

- Você teimou de só ter melhor amiga mulher, nunca vi.
- Foi o jeito que encontrei de conhecer a alma feminina. Um cara feio precisa ter os seus artifícios na arte da conquista.
- A gente te ensinou bem, então. Ainda bem.

[risos]

[Pausa]

- Acho que sorrir tem o mesmo efeito.
- Efeito de que?
- Aquele lance de esgotar a dor.

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