Wednesday, March 02, 2011

Pelas esquinas

Cadê você, meu menino? Onde estão esses olhinhos que me farão sorrir? E esse sorriso, em que esquina se escondeu? Me fale de você, dessa sua vida tão distante. Me conte aventuras além-mar. Me dê a graça de outro céu, porque esse já está tão fatigado. Diga palavras bonitas em francês, porque gosto de ouvir. Deixe escapar o vocábulo de uma saudade que ainda não conheço. Emoção não se traduz, e simpatia é quase amor.

Que abrigos você encontrou nesse mundo tão grande? Vem descansar sua paz no meu abraço, vem. Mesmo que, talvez, a gente ainda nem tenha se encontrado nessa vida. Eu lhe espero, sim, porque minha sina é a necessidade do encontro, a minha vida é encantar-se.

É tão fácil, tão previsível. A gente procura amor em tantos braços, sem nunca encontrar. Às vezes me impressiona como a alma comporta tantas formas de amor e, ao mesmo tempo, as rejeita. The heart is a lonely hunter, quem duvida?

E como que num épico - McCullers ou Fiona Macleod? -, me pego perguntando por você a cada rosto conhecido. "Será? Chegou a minha vez?". De todos os amores, você deveria ser o mais forte, o mais verdadeiro. Por isso, talvez, nem se mostra. Você não suporta o peso das expectativas, não é?

É como aquele meu amigo que desaba e diz doer sempre por mulheres ideais. Todas aquelas que desejou, todas as que lhe tiraram o ar. Tudo para mais tarde perceber que essa finitude lhe inquieta. É preciso respirar de novo. Como quem não quer nada, ele acende um cigarro e se deixa levar. Que gostos carregam esses lábios além de nicotina e solidão? Memórias de outros beijos? A espera, sempre ela.

Onde está você que vai soprar de mensinho na minha nuca, que vai bagunçar com as mãos os meus cabelos? Que vai me segurar com gestos quase dramáticos e me oferecer os ares da nossa busca? Quero um amor que faça respirar, não um que nos renda a uma sina arfante e entrecortada. É preciso dar espaço para viver nele sem sufocar. Só mergulhar fundo quando a alma tiver se transmutado em algo a mais capaz de tocar o impossível.

Henri Michaux diz que a alma não voa, a alma nada - li em algum lugar. É preciso supor tantas levezas - como um céu no mar. Se bem me lembro, foi Carpinejar, gaveta do autor. "Como oxigenar a poesia, sempre tão asfixiada por clichês e rimas fáceis?"

Onde estão os sorrisos que serão diferentes dos outros - um para cada ocasião? Quero adivinhá-los todos. E os segredos da anatomia que nem sempre se revelam? Onde se escondeu o corpo dessa saudade que nem sei sentir? Quem é você, menino, que tira meu sono enquanto espanto medos antigos pela manhã? Será que não fomos feitos para o amor? Será tudo uma ilusão e só? Será que desiludimo-nos tanto que, quando chegar a hora, não vamos nos reconhecer? Será que você já foi embora e eu não pude ver - perdida na fantasia de um outro qualquer?

Será que já chegou, mas ainda não é aquilo que convencionamos chamar de "o momento certo"? Tiro o peso das lembranças. É mais fácil mimeografar o passado. Que surpresas guardam essas esquinas? Em qual delas estão esses olhos que eu possa reconhecer nos meus?

Sede amarga. Ninguém vai irromper nessa sala e dizer que veio pra ficar.