Monday, October 18, 2010

Na sala com Lady G.

Dois estranhos sob o mesmo teto, na cozinha, na mesa de jantar, na sala de estar, assistindo TV. Quase não existe sexo e o afeto se reduziu a uns casos do dia-a-dia, um cumprimento, um gesto, um beijo antes de deitar. Ele esqueceu a alegria numa esquina qualquer, vai saber. Ela deu pra escrever poesia depois dos 50. Nos seus versos, aquela tentativa de expulsar a solidão, exorcizar quem não queria ser, quem ele queria que ela fosse.

Depois de muitos anos, voltou a fumar. E conversa enquanto traga mais um daqueles prazeres antigos. “Não me repreenda”, solta a fumaça e disfarça que sempre foi tão só. E diz que nunca se sentiu amada. E que sente saudades da mãe, que foi embora e deixou aquele vazio. E do pai que não conheceu. Escreve e mal pontua. Ama vírgulas, sempre vírgulas e tão poucos pontos.

E sai por aí fazendo tudo o que lhe der na cabeça. Não quer parar pra pensar. Sabe hoje que o homem é a travessia, mas sempre achou que fosse chegar a algum lugar. Esse “onde” tão demagógico e tão pouco palpável. Desistiu das pretensões profissionais sérias e sisudas. Agora quer ser artista. Como poderia não sê-lo? E escuta uma música bem bobinha, meio bossa, no meio de uma segunda-feira à noite, achando que a letra foi escrita para ela.

E se pergunta sobre um futuro incerto, viaja na filosofia barata de fundo de quintal entre um gole de café preto e amargo – “café doce demais não presta” – com aquelas duas gotinhas de adoçante pra não dizer que não, e aquele club social integral que é pra manter a forma. E se apaixona um pouco pela estética e depois cai numa onda meio Schopenhauer embora tenha dificuldade até para pronunciar o nome do dito cujo. A metafísica do belo. A beleza que não tem medida, que põe mesa. E, na mesa de jantar, aquele outro estranho.

Ah, ele irrompe na varanda, entre um trago e outro do cigarro. Fala e esquece. Não quer ficar na superfície. Ele que fique na casa, com aquelas falas decoradas como que num roteiro onde tinham que interpretar quem eram. A consciência veio na primeira transgressão. Eva e o fruto proibido. Expulsa do Paraíso. O movimento transgressor, quebra de paradigmas. A alma é imoral, ninguém me diga. Abriu a porta de casa e saiu para o mundo.

Sunday, October 10, 2010

Fragmentos de um amor no séc. XXI

Fez com que sentissem uma vontade delirante de amar e serem amados.
Ele, um tanto mais homem que da última vez.
O outro, tão mais menino.
Assim como se fossem uma mesma pessoa multifacetada, a carência de um no outro.
Velho demais para amar, jovem demais para amar; sempre alguma coisa demais. E aquela vontade.
Se olhando como se pudessem enxergar no outro algum motivo, algum tipo de... Nada. Não se viam. Dois homens cegos e seus corpos nus. L'amour. Rien de rien.

...............

Para que pudesse enxergar o outro com qualquer precisão indescritível.
Logo alí, onde começa em letra maiúscula: o sorriso dos seus olhos.
Logo alí, onde termina em ponto final: sua boca dizendo adeus.