Wednesday, July 16, 2008

Estranha conhecida


Não. Detenho a mão que tanto anseia tocar tua pele nova.

É com pesar que te olho, menina, como que não quisesse devassar a juventude dos teus anos.

"A noite é uma criança...", repetes devagar ao meu ouvido, insinuante, quase se justificasse a pouca idade. "...Corrompida", completo como quem afasta de perto de si o demônio encarnado no teu corpo fácil.

E quanto a ti, apenas sorris sem piedade, deixando à mostra os dentes alvos de vampira faminta. Aproximas de mim essa tua boca vermelha e sedenta, enquanto teus olhos de cobiça me engolem num golpe castanho.

Respiro fundo; desejo e loucura escapando pelos poros sem que eu peça, aceite ou mesmo queira.

Exito. Minha mão paira a milímetros do teu rosto. Suspiras impaciente e me tocas com tuas próprias mãos. Vejo-te abrir um sorriso e, com surpresa, não enxergo nele aquela malícia tão tua.
Tão logo pareces mais menina e menos mulher, mais ternura que devassidão.

Te abraço forte, de súbito; e choro. Choro porque te quero. Porque não percebo como pudeste terminar assim; porque não sei em que esquina abandonaste a infância, em que cama alheia esqueceste a inocência.

Sequer vejo, sequer reconheço a moça de alguns anos atrás.
Encaro fundo a estranha que te tornaste e te faço minha sem qualquer arrependimento, qualquer nó na garganta, qualquer culpa.

Tomo nos braços a mulher que insistes em ser. Essa desconhecida sem passado e sem futuro. Essa que não passa de um agora desvairado, um ontem perdido e um amanhã incerto. Te beijo descontrolado. Te aperto forte. Te penetro como se pudesse penetrar também na tua história, nas tuas memórias.

E me pergunto se te lembras [assim, mesmo que vagamente] de mim. Porque me lembro de ti. E te vejo num misto de choro e gozo, de lástima e saudade, de passado e nunca mais.

Friday, July 04, 2008

O verdadeiro nome de ti

I - Casa, vida, tudo


Porque tocar é uma barreira, não um encontro.
O ponto exato onde terminas e eu começo.

Te toco leve e é com leveza que te sinto.
Carinho suave, arrepio que percorre o corpo junto dos dedos.

Te aperto forte, porque a ternura disfarça a força do que me consome.
Aperto para que nos confundamos, para que minha pele te ultrapasse a carne.

Te sinto como se nos misturássemos, nos interceptássemos.
Transplanto meu coração pro teu peito para que batamos ritmados numa música sempre nova.

Trago nos ouvidos teu batuque, teus muitos ritmos, tua boa dança.
Minha boca já guarda teu gosto, o encaixe do teu beijo, as manobras de teus lábios ao sorrir.
Meu nariz aspira teu cheiro, e me inspiras tanto com esse jeito de menino, mas perfume de homem feito. Te respiro, porque o ar não mais me serve.
Meus olhos refletem a cor exata de teus universos tão castanhos.
Meus dedos já aprenderam teus contornos, teus relevos, a cartografia do teu corpo.

Te percebo cada vez mais em mim.
Deixo de ser eu enquanto me sou com uma intensidade inesperada.
Sou um tanto mais amor, mais saudade, mais afeto.
Sou toda sorriso, abraço repentino, beijo de esquimó.
E te encontro, bem no íntimo.
Te toco, te atravesso.
Não mais começamos ou terminamos.
Porque o amor carrega a grandeza do impossível, do infinito que há em ti.