Wednesday, March 05, 2008

Elos e eles

"Ça fait même pas comme la fin d'une histoire
Et pourtant je te vois venir, tu pars"
(Francis Cabrel)


Paulo ligou às 4 da manhã. Caio atendeu com uma voz meio embriagada, meio encoberta por algum tipo de saudade.
- Eu liguei pra avisar que eu tô na cidade, no país, no planeta.
Caio não se surpreendeu. Paulo tinha aquela mania estranha de estar em todo lugar.
Marcaram de se encontrar.
Meia hora depois, a campainha.
Caio espera. Era gostoso sentir a ânsia de chegar até a porta.
Cada passo era uma dúvida - Como ele estaria? Será que tinha mudado muito? Não se viam desde os tempos de escola... Toda aquela distância de espaço e tempo entre os dois subitamente tinha se comprimido num pedaço de madeira velha.
A porta foi aberta de supetão.
Lá estava Paulo com aquele jeito de menino, os olhos brilhando de um jeito quase novo e quase familiar. Paulo não parecia de verdade. Parecia uma memória.
Não ousaram falar nada. Cada um imerso na imensidão que era a figura do outro, tentando decifrar os enfeites que o tempo grudou-lhes na cara e no corpo.
Paulo sorriu. Caio chorou.
Se abraçaram.
Pararam de repente.
Se encararam. Os olhos verdes tão pálidos de Caio dentro daquela densidade castanha de Paulo.
- Sabe de uma coisa? Você sempre esteve na cidade, no país, no planeta. - Caio fez uma pausa antes de continuar - Na verdade, você nunca sequer deixou este apartamento. Eu fiz questão de que você permanecesse aqui.
E foi como se uma avalanche de entendimento tivesse lhes acertado em cheio no momento exato em que Paulo colocou as mãos no rosto de Caio, e Caio colocou as mãos no rosto de Paulo, e ambos simplesmente ficaram assim pelo que pareceu uma eternidade.
A saudade martelando o corpo inteiro. A saudade doendo avassaladora como se a presença do outro não passasse de uma mentira ou uma verdade insuportável. Paulo chegou a se beliscar. Caio olhou atordoado para o pequeno corredor que levava ao quarto.
Sorriram cúmplices. Correram de mãos dadas. Atravessaram o corredor, atravessaram a América do Sul. Se beijaram. A boca de um finalmente experimentando o gosto secreto da boca do outro. As mãos frenéticas com fome de pele, de carne, de sexo. Seus corpos eram reais, palpáveis, e não feitos daquela matéria de memória que desvanece no ar. Esqueceram seus nomes. Esqueceram quem eram. Um era o desejo antigo do outro e isso era tudo. Se amaram com fúria. Treparam até cansar. Dormiram abraçados.
Caio acordou com o som estridente do telefone. Atendeu com uma voz meio embriagada, meio encoberta por algum tipo de saudade. Eram 4 da manhã...